Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas

Em “— Mais uma razão para vir. Está desfrutando - FAMERP 2023

Atualizado em 13/05/2024

Leia a crônica “José de Nanuque”, de Carlos Drummond de Andrade, para responder às questões de 06 a 10.


Como se não bastasse o excesso de população deste mundo, os homens estão detectando a existência de outros mundos habitados, no espaço sideral, e suspiram, emocionados: “Não estamos sós”. E quem disse que estamos sós, se andamos tão acotovelados pelas avenidas da Terra? Pois, como se tudo isso não fosse suficiente, correm às matas de Nanuque e de lá retiram à força José Pedro dos Santos, último promeneur solitaire1 de que havia notícia, o homem que vivia com uma fogueira acesa, espantando onça e, sobretudo, gente.
— Venha, rapaz! Queremos que participe das maravilhas da civilização!
— Vocês me arranjam casa pra morar?
— Bem, isso atualmente está difícil, José.
— Emprego?
— Só se você for concursado, e houver vaga.
— E comida?
— Depois nós conversamos. Venha depressa, estão nos chamando de outras galáxias!
José recalcitra: estava tão bem ali! Não paga aluguel, não preenche o formulário do imposto de renda, não faz fila para nada, não tem horário nem patrão, come carne variada, segunda-feira paca, terça peixe, quarta aves, quinta raízes e tubérculos, sexta frutas, sábado...
— Mais uma razão para vir. Está desfrutando privilégios, e todos são iguais perante a lei!
Outra razão forte: os fazendeiros de Nanuque reclamavam contra esse homem estranho, embrenhado no mato, fazendo Deus sabe lá o quê. Em vão José alega que os ajuda, espantando onça com seu facho noturno. As onças não devem ser espantadas, sustentam a beleza selvagem da região. Esse homem não trabalha na lavoura, como os outros; não produz, não rende, e, embora não pese a ninguém, pesa globalmente no espírito de todos, com seu mistério. O fato de não produzir não é o mais grave; tolera-se cá fora, à luz do dia, honradamente: mas no interior da mata? Que ideia faz esse sujeito do contrato social? Nenhuma. Está se ninando para o contrato social. Não é possível. Tragam José para perto de nós, ele tem de aprender ou reaprender a vida apertada que levamos.
José tem medo. Os homens, as cidades, os códigos, até os prazeres intervalares dos civilizados lhe dão medo. O motor de sua volta ao estado natural foi menos o amor à natureza do que o pânico. Em cada homem vê um perigo, em cada situação uma ameaça, em cada palavra uma condenação. Com as árvores e os bichos ele se entende. Nu e experimentado, conhece e domina o ambiente em que vive sem maiores riscos. Na cidade não praticara ação criminosa, e foi isso precisamente que o fez embrenhar-se na mata. Inocente, faltavam-lhe as provas negativas de sua inocência; se cometesse qualquer malfeito, poderia mentir e salvar-se, mas, estando puro e desarmado diante do sistema, como mentir, senão confessando a falta imaginária, e, portanto, condenando-se? A solução era virar bicho. Virou, com êxito.
Agora trazem José para a capital, incorporam-no ao estranho maquinismo, ao estatuto sombrio, inexplicável; ele é condenado a viver como os outros, no grau inferior. José está salvo ou perdido? O certo é que nunca mais brilhará, na mata de Nanuque, aquele foguinho solitário.
Todos são iguais perante a lei.
Não estamos sós.

(Carlos Drummond de Andrade. Caminhos de João Brandão, 2016.)

1 promeneur solitaire: caminhante solitário.

Em “— Mais uma razão para vir. Está desfrutando privilégios, e todos são iguais perante a lei!” (10º parágrafo), a palavra sublinhada expressa ideia de

  1. comparação.

  2. consequência.

  3. finalidade.

  4. causa.

  5. adição.


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