Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
Expressão expletiva é aquela que, embora seja - UNIFESP 2023
A confeitaria esteve fechada bem uns seis meses, para obras. Passando pela calçada, os antigos frequentadores já não tinham esperança de voltar ao lanche costumeiro, pois qualquer casa que se fecha para remodelação, já sabe: vira banco ou companhia de investimentos muito sofisticada, com letras na porta de vidro dizendo assim: Kredytar, Finanlys, Ríkox...
Pois aquela, desmentindo a lei econômica, reabrira confeitaria mesmo, e tão moderna que muitos clientes se sentiram enleados ao entrar em local antes de conhecida modéstia; o estabelecimento exigiria talvez fregueses também remodelados, de gabarito mais alto. Pouco a pouco foram regressando, se abancando. Era tudo novo, menos o garçom, a louça e o talher. “Por sinal que talher e louça também estão pedindo reforma, hein, Belisário?”. Belisário, garçom boa-praça, admitiu que sim. Até já fizera ver isso ao gerente, ponderando-lhe que numa casa tão bacana aqueles elementos inferiores destoavam; o pessoal acabaria espalhando que a firma não aguentou o repuxo das obras, ficou sem grana para miudezas.
— E ficou mesmo — respondeu-lhe o gerente. — Belisário, vê se te manca, tá?
Belisário remeteu-se ao silêncio. Aos patrões não adianta ajudar; pois que se danem. E foi cuidar da vida, que não anda mole.
— Estou vendo pela sua cara, Belisário. Você encolheu, rapaz!
Aí, ele me confiou que passara seis meses comendo só uma vez por dia, e não era comida de banquete. Para variar, durante um mês, somente almoçava; no mês seguinte, jantava apenas. Dessa maneira, reeducou o estômago e pôde sobreviver. Mas o Otacílio, esse, “já reparou no Otacílio?”.
Otacílio, um baixote, gordo, servia no setor da esquerda. Passeei os olhos pelo salão, não o encontrei.
— Pois é aquele ali, no lugar de sempre. O senhor não reconheceu? Natural. Perdeu vinte quilos com as obras. Quase abotoa o paletó.
Luva-de-Pelica, um todo cheio de salamaleques, perdera quinze e teve de voltar para Miracema. João Velho, dez; João Novo, onze; outros ficaram entre dez e doze quilos. Toda a turma emagrecera. O salário fora pago pontualmente pela firma, porém sumiram as gorjetas, e é gorjeta que sustenta um homem.
— Mas, Belisário, vocês podiam se defender com biscates, servir em reuniões, casamentos.
— Não, doutor. Biscate é sagrado: fica para os colegas aposentados pelo Instituto.
Admirei a generosidade de Belisário e de seus pares da ativa, e ia louvá-la, mas ele não deixou:
— E daí, se a gente pega a xepa deles, eles vêm de sarrafo em cima da gente, morou? Tem muito aposentado bom de briga, e lá um dia a gente vai ser um velhinho igual a eles, tem de pensar no amanhã e no depois de amanhã... Não vale a pena chupar jabuticaba dos outros.
— E que é que você fez durante esse meio ano?
— Eu? Nada. Tempo havia de sobra, dava vontade de aproveitar, mas aproveitar como? o quê? Ficava de mãos abanando, esperando uma bandeja, um bule de chá que não aparecia. Até o barulho da louça, os gritos para a cozinha faziam falta. Então ia para a porta das confeitarias espiar os colegas de mais sorte, que trabalhavam, com uma inveja deles, do cansaço deles! Meu garoto mais moço, de quatro anos, veio me servir, de brincadeira, dizendo que agora eu é que era o freguês, queria com pão alemão ou pão de Petrópolis? Mineral com gás ou sem gás? Quis achar graça, mas foi me subindo um nervoso, empurrei a mão do garoto, a louça caiu no chão, se espatifou, ele saiu chorando... Sabe que mais? A patroa me dizendo sempre: “Belisário, some de minha presença que tu está me enchendo!”. Sumir pra onde? Gostei não, doutor. Descanso de garçom é fogo. Quer mais umas torradinhas?
(Carlos Drummond de Andrade. Caminhos de João Brandão, 2016.)
Expressão expletiva é aquela que, embora seja desnecessária ao sentido da frase, é empregada como realce ou ênfase.
Ocorre expressão expletiva no seguinte trecho:
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“Quer mais umas torradinhas?” (16. parágrafo)
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“Você encolheu, rapaz!” (6. parágrafo)
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“Passeei os olhos pelo salão, não o encontrei.” (8. parágrafo)
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“Não vale a pena chupar jabuticaba dos outros.” (14. parágrafo)
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“E que é que você fez durante esse meio ano?” (15. parágrafo)
Solução
Alternativa Correta: E) “E que é que você fez durante esse meio ano?” (15. parágrafo)
A expressão expletiva “é que” presente na frase da alternativa E) “E que é que você fez durante esse meio ano?” tem uma função de realce ou ênfase, comum em construções da linguagem coloquial. Nesse caso, a frase poderia ser dita de maneira mais simples, como “O que você fez durante esse meio ano?”, sem que houvesse alteração no sentido. Contudo, o uso do “é que” adiciona uma ênfase, destacando a curiosidade ou preocupação do interlocutor em relação ao que foi feito durante o período em questão.
Expressões expletivas, como “é que”, não são essenciais para o sentido literal da frase, mas servem para intensificar o tom emocional ou destacar uma determinada questão. No caso da pergunta feita a Belisário, o “é que” enfatiza a inquietação quanto ao tempo de inatividade do personagem, reforçando a ideia de que o interlocutor espera uma resposta que explique como ele enfrentou aquela situação difícil.
Esse uso do “é que” é comum na linguagem falada, especialmente em diálogos informais, como ocorre no texto de Drummond, onde o estilo de conversa entre os personagens é natural e espontâneo. Essa característica reforça a atmosfera cotidiana do cenário e a humanidade dos personagens.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2023
Assuntos: Interpretação Textual
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