Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
Aproxima-se do argumento exposto no último parágrafo - UNIFESP 2020
Para responder a questão, leia o trecho do livro O homem cordial, de Sérgio Buarque de Holanda.
Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade — daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza1 no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo — ela pode exprimir-se em mandamentos e em sentenças. Entre os japoneses, onde, como se sabe, a polidez envolve os aspectos mais ordinários do convívio social, chega a ponto de confundir-se, por vezes, com a reverência religiosa. Já houve quem notasse este fato significativo, de que as formas exteriores de veneração à divindade, no cerimonial xintoísta, não diferem essencialmente das maneiras sociais de demonstrar respeito.
Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência — e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções.
Por meio de semelhante padronização das formas exteriores da cordialidade, que não precisam ser legítimas para se manifestarem, revela-se um decisivo triunfo do espírito sobre a vida. Armado dessa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social. E, efetivamente, a polidez implica uma presença contínua e soberana do indivíduo.
No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro — como bom americano — tende a ser a que mais importa. Ela é antes um viver nos outros.
(O homem cordial, 2012.)
1 lhaneza: afabilidade.
Aproxima-se do argumento exposto no último parágrafo do texto a seguinte citação do filósofo Friedrich Nietzsche:
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“O amor a um único ser é uma barbaridade: pois é praticado às expensas de todos os outros.”
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“Não há no mundo amor e bondade bastantes para que ainda possamos dá-los a seres imaginários.”
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“Vosso mau amor por vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro.”
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“O amor perdoa ao ser amado até o desejo.”
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“O medo promoveu mais a compreensão geral dos homens que o amor.”
Solução
Alternativa Correta: C) “Vosso mau amor por vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro.”
A alternativa C é a correta porque no último parágrafo do texto, Sérgio Buarque de Holanda menciona que o "homem cordial" experimenta um "pavor" ao viver consigo mesmo e busca uma forma de se expandir em relação aos outros. Essa descrição aponta para uma dependência da validação social e uma fuga do eu interior, refletindo uma certa vulnerabilidade existencial. Assim, a ideia de que a convivência social serve como um alívio para essa angústia interna é central na argumentação do autor.
A citação de Nietzsche, "Vosso mau amor por vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro," complementa essa análise ao sugerir que a falta de amor-próprio pode levar ao isolamento, ou seja, à dificuldade de se sentir bem consigo mesmo. Ambos os textos falam sobre como a relação do indivíduo consigo mesmo pode ser conflituosa e como essa luta interna pode resultar em um comportamento social que busca compensar esse vazio. O "mau amor" implica uma insatisfação que leva à busca por validação externa, similar à busca do "homem cordial" por se conectar com os outros para escapar de seu pavor.
Portanto, tanto Buarque de Holanda quanto Nietzsche exploram a ideia de que a dificuldade em se relacionar consigo mesmo pode levar a comportamentos que priorizam a interação social como uma forma de compensação emocional. Essa intersecção nas ideias revela uma compreensão mais profunda das dinâmicas sociais e emocionais que permeiam o ser humano, solidificando a razão pela qual a alternativa C é a mais alinhada com a argumentação de Buarque.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2020
Assuntos: Interpretação Textual
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