Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas

Ao descrever a sua vida de milionário, o narrador a) - UNIFESP 2015

Atualizado em 31/10/2024

Leia o trecho do conto “O mandarim”, de Eça de Queirós, para responder a questão.

Então começou a minha vida de milionário. Deixei bem depressa a casa de Madame Marques – que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-doce, e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarelo, ao Loreto: as magnificências da minha instalação são bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da Ilustração Francesa. Tornou-se famoso na Europa o meu leito, de um gosto exuberante e bárbaro, com a barra recoberta de lâminas de ouro lavrado e cortinados de um raro brocado negro onde ondeiam, bordados a pérolas, versos eróticos de Catulo; uma lâmpada, suspensa no interior, derrama ali a claridade láctea e amorosa de um luar de Verão.
[...]
Entretanto Lisboa rojava-se aos meus pés. O pátio do palacete estava constantemente invadido por uma turba: olhando-a enfastiado das janelas da galeria, eu via lá branquejar os peitilhos da Aristocracia, negrejar a sotaina do Clero, e luzir o suor da Plebe: todos vinham suplicar, de lábio abjeto, a honra do meu sorriso e uma participação no meu ouro. Às vezes consentia em receber algum velho de título histórico: – ele adiantava-se pela sala, quase roçando o tapete com os cabelos brancos, tartamudeando adulações; e imediatamente, espalmando sobre o peito a mão de fortes veias onde corria um sangue de três séculos, oferecia-me uma filha bem-amada para esposa ou para concubina.
Todos os cidadãos me traziam presentes como a um ídolo sobre o altar – uns odes votivas, outros o meu monograma bordado a cabelo, alguns chinelas ou boquilhas, cada um a sua consciência. Se o meu olhar amortecido fixava, por acaso, na rua, uma mulher – era logo ao outro dia uma carta em que a criatura, esposa ou prostituta, me ofertava a sua nudez, o seu amor, e todas as complacências da lascívia.
Os jornalistas esporeavam a imaginação para achar adjetivos dignos da minha grandeza; fui o sublime Sr. Teodoro, cheguei a ser o celeste Sr. Teodoro; então, desvairada, a Gazeta das Locais chamou-me o extraceleste Sr. Teodoro! Diante de mim nenhuma cabeça ficou jamais coberta – ou usasse a coroa ou o coco. Todos os dias me era oferecida uma presidência de Ministério ou uma direção de confraria. Recusei sempre, com nojo.

(Eça de Queirós. O mandarim, s/d.)

Ao descrever a sua vida de milionário, o narrador

  1. reconhece que as pessoas se aproximam dele com mais respeito e cautela, fato que o deixa desconfortável, por sua natureza humilde.

  2. sente-se lisonjeado pelo tratamento cerimonioso de que é alvo constante, sobretudo porque as pessoas são honestas em seu proceder.

  3. ironiza as relações de interesses decorrentes da sua nova condição social, deixando evidente que as pessoas se humilham perante ele.

  4. ignora a forma como os mais pobres o interpelam, pois não consegue identificar os contatos sem interesses monetários.

  5. despreza a falta de veneração à sua pessoa, princi· palmente pelos mais bem nascidos, que não o veem como pertencente à aristocracia.


Solução

Alternativa Correta: C) ironiza as relações de interesses decorrentes da sua nova condição social, deixando evidente que as pessoas se humilham perante ele.

A alternativa C é a mais apropriada porque, ao descrever sua vida como milionário, o narrador ironiza as relações superficiais e interesseiras que surgem em decorrência de sua nova condição social. Teodoro, que antes era um simples amanuense, agora é cercado por pessoas que buscam se beneficiar de sua riqueza. Ele observa que todos se aproximam dele com a intenção de obter vantagens, suplicando por sua atenção e admiração. Essa dinâmica social revela como a idolatria que lhe é atribuída é baseada na sua riqueza e não em sua verdadeira natureza.

Além disso, a ironia se manifesta na maneira como as pessoas se humilham perante Teodoro, oferecendo presentes e até mesmo suas filhas em casamento, na esperança de ganhar sua benevolência. Ele destaca a servidão de muitos que, ao invés de estabelecer relações autênticas, se submetem a atos de bajulação e adulação, o que torna a interação entre ele e os outros profundamente artificial. O tratamento cerimonioso que recebe é mais um reflexo de sua fortuna do que de um verdadeiro respeito por sua pessoa.

Essa crítica à superficialidade das relações sociais é central no conto e é expressa através do tom sarcástico de Teodoro ao relatar sua nova vida. Ele é consciente de que sua grandeza é fabricada pelas expectativas e interesses dos outros, e isso se torna um motivo de distanciamento e desdém. Ao rejeitar ofertas de poder e prestígio, Teodoro reafirma sua visão crítica sobre a sociedade, evidenciando a futilidade e a hipocrisia que permeiam as interações baseadas no status econômico.

Institução: UNIFESP

Ano da Prova: 2015

Assuntos: Interpretação Textual

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