Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
Assinale a alternativa que apresenta uma correta - UNIFESP 2015
Leia o trecho do conto “O mandarim”, de Eça de Queirós, para responder a questão.
Então começou a minha vida de milionário. Deixei bem depressa a casa de Madame Marques – que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-doce, e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarelo, ao Loreto: as magnificências da minha instalação são bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da Ilustração Francesa. Tornou-se famoso na Europa o meu leito, de um gosto exuberante e bárbaro, com a barra recoberta de lâminas de ouro lavrado e cortinados de um raro brocado negro onde ondeiam, bordados a pérolas, versos eróticos de Catulo; uma lâmpada, suspensa no interior, derrama ali a claridade láctea e amorosa de um luar de Verão.
[...]
Entretanto Lisboa rojava-se aos meus pés. O pátio do palacete estava constantemente invadido por uma turba: olhando-a enfastiado das janelas da galeria, eu via lá branquejar os peitilhos da Aristocracia, negrejar a sotaina do Clero, e luzir o suor da Plebe: todos vinham suplicar, de lábio abjeto, a honra do meu sorriso e uma participação no meu ouro. Às vezes consentia em receber algum velho de título histórico: – ele adiantava-se pela sala, quase roçando o tapete com os cabelos brancos, tartamudeando adulações; e imediatamente, espalmando sobre o peito a mão de fortes veias onde corria um sangue de três séculos, oferecia-me uma filha bem-amada para esposa ou para concubina.
Todos os cidadãos me traziam presentes como a um ídolo sobre o altar – uns odes votivas, outros o meu monograma bordado a cabelo, alguns chinelas ou boquilhas, cada um a sua consciência. Se o meu olhar amortecido fixava, por acaso, na rua, uma mulher – era logo ao outro dia uma carta em que a criatura, esposa ou prostituta, me ofertava a sua nudez, o seu amor, e todas as complacências da lascívia.
Os jornalistas esporeavam a imaginação para achar adjetivos dignos da minha grandeza; fui o sublime Sr. Teodoro, cheguei a ser o celeste Sr. Teodoro; então, desvairada, a Gazeta das Locais chamou-me o extraceleste Sr. Teodoro! Diante de mim nenhuma cabeça ficou jamais coberta – ou usasse a coroa ou o coco. Todos os dias me era oferecida uma presidência de Ministério ou uma direção de confraria. Recusei sempre, com nojo.
(Eça de Queirós. O mandarim, s/d.)
Assinale a alternativa que apresenta uma correta análise de passagem do texto.
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Em “que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-doce” (1.° parágrafo), a locução conjuntiva em destaque estabelece relação de tempo entre as orações.
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Em “e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda dos domingos" (1.° parágrafo), o termo em destaque pode ser substituído por “mesmo”, sem prejuízo de sentido ao texto.
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Em “olhando-a enfastiado das janelas da galeria" (2.° parágrafo), o pronome em destaque recupera o substantivo “Lisboa”.
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Em “era logo ao outro dia uma carta em que a criatura” (3° parágrafo), a expressão em destaque pode ser substituída, de acordo com a norma-padrão, por “cuja".
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Em “derrama ali a claridade láctea e amorosa de um luar de Verão” (1.° parágrafo), o advérbio em destaque recupera a expressão "versos eróticos de Catulo".
Solução
Alternativa Correta: A) Em “que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-doce” (1.° parágrafo), a locução conjuntiva em destaque estabelece relação de tempo entre as orações.
A alternativa A é a correta porque a locução conjuntiva "desde que" realmente estabelece uma relação de tempo entre as orações. No trecho “que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-doce”, a expressão sugere que a mudança no tratamento da Madame Marques em relação ao narrador ocorreu a partir do momento em que ela tomou conhecimento da nova condição financeira dele. Essa relação temporal é essencial para compreender a dinâmica das interações sociais do narrador após sua repentina ascensão à riqueza.
As outras alternativas não mantêm a mesma clareza ou precisão. Por exemplo, na alternativa B, o termo “mesma” não pode ser substituído por “mesmo” sem alterar o sentido da frase, pois "mesma" concorda com o gênero e número de “ela”, enquanto “mesmo” é um pronome indefinido que não se encaixa na construção. Na alternativa C, o pronome "a" se refere à “turba” e não a “Lisboa”, como mencionado, e isso torna a afirmação incorreta. A alternativa D é falha, pois "em que" não pode ser substituído por "cuja" sem perda de sentido, uma vez que "cuja" estabelece uma relação possessiva que não se aplica ao contexto da frase. Por fim, na alternativa E, o advérbio “ali” refere-se ao local do leito do narrador e não aos "versos eróticos de Catulo", fazendo essa opção também inadequada.
Assim, a análise da locução conjuntiva “desde que” na alternativa A é a única que corretamente identifica e explica a relação de tempo que se estabelece entre os eventos narrados, tornando-a a escolha mais apropriada.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2015
Assuntos: Interpretação Textual
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