Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
Em “Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de - UNIFESP 2020
Leia a crônica “Inconfiáveis cupins”, de Moacyr Scliar, para responder a questão.
Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor desconhecido, pobre, atribuía todas suas frustrações ao artista holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes deformados, dizia, não poderei jamais dar vazão ao meu instinto criador.
Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, às telas de Van Gogh, onde quer que estivessem. Começaria pelas mais próximas, as do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não faria como outros destruidores de telas que entram num museu armados de facas e atiram-se às obras, tentando destruí-las; tais insanos não apenas não conseguem seu intento, como acabam na cadeia. Não, usaria um método científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados: os cupins.
Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era necessário treinar os cupins para que atacassem as telas de Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana. Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram recobertas com uma solução açucarada. Dessa forma, os insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.
Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de cupim que só queria comer Van Gogh. Para ele era repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o que importava. Conseguiu introduzir os cupins no museu e ficou à espera do que aconteceria. Sua decepção, contudo, foi enorme. Em vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as vigas de sustentação do prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar. E por isso foram detectados.
O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode confiar, foi a sua desconsolada conclusão. É verdade que alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van Gogh. Mas isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que os sádicos cupins estivessem querendo apenas debochar dele. Cupins e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.
(O imaginário cotidiano, 2002.)
Em “Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de cupim que só queria comer Van Gogh” (5.° parágrafo), o cronista recorre à figura de linguagem denominada:
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metonímia.
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hipérbole.
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eufemismo.
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personificação.
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pleonasmo.
Solução
Alternativa Correta: A) metonímia.
A alternativa A é correta porque a expressão “comer Van Gogh” exemplifica o uso de metonímia, uma figura de linguagem na qual um termo é substituído por outro que possui uma relação de proximidade ou contiguidade. Nesse caso, o nome do artista é usado para se referir às suas obras, especificamente às telas que ele pintou. O homem que odeia Van Gogh quer, na verdade, destruir as pinturas do artista, mas usa o nome do pintor como uma forma de expressar sua intenção de atacar suas criações.
A metonímia está presente porque o ato de "comer" se refere ao consumo das obras de arte pelos cupins, não ao próprio Van Gogh. O uso do nome do artista, portanto, serve para representar suas obras, criando uma conexão direta entre o criador e sua criação. Essa troca de termos é uma forma eficaz de enfatizar a relação entre o homem e suas frustrações artísticas, mostrando como ele projeta seu ódio diretamente sobre as obras de Van Gogh.
Além disso, essa escolha de palavras ressalta a obsessão do personagem com Van Gogh, simbolizando como sua própria inabilidade criativa se traduz em uma guerra contra o que ele considera ser um obstáculo em seu caminho. Assim, a metonímia não apenas cumpre uma função linguística, mas também enriquece o significado do texto, revelando as camadas de ressentimento e desespero que permeiam a narrativa.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2020
Assuntos: Interpretação Textual
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