Disciplina: Língua Portuguesa 0 Curtidas
A forma verbal destacada deve sua flexão ao termo - UNIFESP 2019
Para responder a questão, leia o trecho do livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre.
Mas a casa-grande patriarcal não foi apenas fortaleza, capela, escola, oficina, santa casa, harém, convento de moças, hospedaria. Desempenhou outra função importante na economia brasileira: foi também banco. Dentro das suas grossas paredes, debaixo dos tijolos ou mosaicos, no chão, enterrava-se dinheiro, guardavam-se joias, ouro, valores. Às vezes guardavam-se joias nas capelas, enfeitando os santos. Daí Nossas Senhoras sobrecarregadas à baiana de teteias, balangandãs, corações, cavalinhos, cachorrinhos e correntes de ouro. Os ladrões, naqueles tempos piedosos, raramente ousavam entrar nas capelas e roubar os santos. É verdade que um roubou o esplendor e outras joias de São Benedito; mas sob o pretexto, ponderável para a época, de que “negro não devia ter luxo”. Com efeito, chegou a proibir-se, nos tempos coloniais, o uso de “ornatos de algum luxo” pelos negros.
Por segurança e precaução contra os corsários, contra os excessos demagógicos, contra as tendências comunistas dos indígenas e dos africanos, os grandes proprietários, nos seus zelos exagerados de privativismo, enterraram dentro de casa as joias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos. Os dois fortes motivos das casas-grandes acabarem sempre mal-assombradas com cadeiras de balanço se balançando sozinhas sobre tijolos soltos que de manhã ninguém encontra; com barulho de pratos e copos batendo de noite nos aparadores; com almas de senhores de engenho aparecendo aos parentes ou mesmo estranhos pedindo padres- -nossos, ave-marias, gemendo lamentações, indicando lugares com botijas de dinheiro. Às vezes dinheiro dos outros, de que os senhores ilicitamente se haviam apoderado. Dinheiro que compadres, viúvas e até escravos lhes tinham entregue para guardar. Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário. Houve senhores sem escrúpulos que, aceitando valores para guardar, fingiram-se depois de estranhos e desentendidos: “Você está maluco? Deu-me lá alguma cousa para guardar?”
Muito dinheiro enterrado sumiu-se misteriosamente. Joaquim Nabuco, criado por sua madrinha na casa-grande de Maçangana, morreu sem saber que destino tomara a ourama para ele reunida pela boa senhora; e provavelmente enterrada em algum desvão de parede. […] Em várias casas-grandes da Bahia, de Olinda, de Pernambuco se têm encontrado, em demolições ou escavações, botijas de dinheiro. Na que foi dos Pires d’Ávila ou Pires de Carvalho, na Bahia, achou- -se, num recanto de parede, “verdadeira fortuna em moedas de ouro”. Noutras casas-grandes só se têm desencavado do chão ossos de escravos, justiçados pelos senhores e mandados enterrar no quintal, ou dentro de casa, à revelia das autoridades. Conta-se que o visconde de Suaçuna, na sua casa-grande de Pombal, mandou enterrar no jardim mais de um negro supliciado por ordem de sua justiça patriarcal. Não é de admirar. Eram senhores, os das casas-grandes, que mandavam matar os próprios filhos. Um desses patriarcas, Pedro Vieira, já avô, por descobrir que o filho mantinha relações com a mucama de sua predileção, mandou matá-lo pelo irmão mais velho.
(In: Silviano Santiago (coord.). Intérpretes do Brasil, 2000.)
A forma verbal destacada deve sua flexão ao termo sublinhado em:
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“Deu-me lá alguma cousa para guardar?” (2.o parágrafo)
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“Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário.” (2.o parágrafo)
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“Desempenhou outra função importante na economia brasileira: foi também banco.” (1.o parágrafo)
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“os grandes proprietários, nos seus zelos exagerados de privativismo, enterraram dentro de casa as joias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos.” (2.o parágrafo)
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“Às vezes dinheiro dos outros, de que os senhores ilicitamente se haviam apoderado.” (2.o parágrafo)
Solução
Alternativa Correta: B) “Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário.” (2.o parágrafo)
A resposta correta é a alternativa B porque a forma verbal "sucedeu" é um verbo que, em sua conjugação, deve concordar com um sujeito oracional, que neste caso é a expressão "muita dessa gente". Isso significa que o verbo deve estar sempre na terceira pessoa do singular, independente do número do sujeito que vem na oração subordinada. Assim, "sucedeu" está adequado ao contexto em que é utilizado.
Na frase mencionada, "Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário", o verbo "sucedeu" atua como o núcleo da oração principal, com "muita dessa gente" funcionando como o sujeito que, apesar de referir-se a um grupo (muita gente), exige a flexão verbal na terceira pessoa do singular. Essa regra é comum na língua portuguesa quando se lida com sujeitos que são orações inteiras.
As outras alternativas apresentam situações em que a forma verbal concorda com sujeitos que podem ser ocultos ou explícitos e que não exigem a mesma flexão. Por exemplo, em "Deu-me lá alguma cousa para guardar?", o verbo "deu" concorda com o sujeito oculto "você". Assim, a flexão de "sucedeu" se deve exclusivamente ao sujeito oracional presente na alternativa B.
Institução: UNIFESP
Ano da Prova: 2019
Assuntos: Interpretação Textual
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